O romance “A caneta infeliz” reafirma a escrita socialmente interessada, integrando contextos políticos e sociais amplos que enformaram Portugal e o mundo a partir da década de cinquenta do século passado. O autor já nos tinha dado a ver, profusamente e de um ponto de vista privilegiado, porque de experiência feito, o Portugal dos anos cinquenta e a guerra colonial em Concerto para Sanca João ou o capitalismo autofágico vivido em Macau em Com o Cheiro das Glicínias. A escrita destes romances, cumpre, pois, entre outras, a função de recriação histórica e crítica de quadros sociais. Tecidos de forma complexa, informada, esses quadros são atravessados por um olhar irónico, mas também compreensivo, na rede de causas e efeitos que condicionam a ação e a existência humanas. Desta vez, no entanto, o ponto de vista é menos abrangente, comandado pela visão de Álvaro, desconfiado e cético, revoltado pelo imobilismo social a que o Portugal salazarento, mas também a organização de resistência em França, o condenam. Em diálogo com a mulher com quem estabelece já no seu segundo regresso a Portugal um pacto criminoso, e que é sua amante, numa parceria que transforma a narrativa num romance negro, a narração da história de Álvaro vai surgindo fragmentada, emoldurada as mais das vezes num diálogo desafiante, erótico, sobretudo pelo desejo de saber o que aconteceu a seguir, vivo, não raro rude. Cabe ao leitor, como nos romances anteriores, colocar ordem na narrativa, estabelecer o fio cronológico da ação, num processo aqui bastante mais simples do que nos romances anteriores, e que mantém o leitor desperto, ativo e interessado em cada trecho.